terça-feira, 25 de outubro de 2011

Brigadeiro com chuva

Ela estava inteiramente lá, ocupando seu pequeno espaço de forma absoluta. Queria fazê-la parar aquele oceano de águas azuis e claras que despencavam daqueles olhinhos, sem cessar.
Tudo por causa daquele ursinho imbecil em que, de forma cruel (admitiu consigo mesma), jogou aquele baldinho de tinta cintilante.
Pobre criança, sabia que não tinha culpa, mas sua cabeça também ainda infantil, porém um pouco mais madura do que aquela que, para ela, havia invadido seu castelo, acreditava piamente que aqueles caichinhos saltitantes tinham chegado para tomar o seu lugar, mesmo que de forma involuntária.
Tinha cores que lhe lembravam doces de dia das bruxas, e umas orelhas bem redondas, fáceis e macias de pegar. Na época, sua diversão era ameaçar jogá-lo pela janela e fazê-la espernear com a agonia de pensar em ficar sem aquela criatura bizarra que era aquele bicho.
Naquele exato momento, se sentiu uma péssima irmã, tentando desculpar-se em vão. Achava aquilo muito exagerado, todo aquele berreiro, e ela lhe perguntava com uma vozinha enjoativamente doce, por que havia feito aquilo.
Desistiu de tentar acalmar aquela criatura insana, percebendo que deveria deixá-la viver sua tristeza. Toda aquele sentimento concentrado em algo tão superficial, só podia ser porque naquela idadezinha, não se acredita ou pensa em um futuro feliz ou futuro algum.
Ao nascer do Sol, tudo estava claro e limpo, e as duas se lambuzavam com amora, sentadas na grama com seus vestidinhos de poás coloridas, enquanto riam ao brincar com o cachorro.


(Texto escrito em 04/09/08)

Previsão

Sonhava profundamente. Respiração leve, o ar entrava devagar pelos pulmões e saía como se o tempo não existisse.
As ruas estavam vazias, pacatas. O vento batia nas janelas das moradias de quando em quando, fazendo um barulho estridente. Afonso saíra de casa sozinho, as mãos geladas, os óculos escorregando pelo nariz. O céu estava cinza, e a cor se agarrou a seu rosto de modo que ao olhar de relance para o espelho, assustou-se. Seus joelhos bambeavam, já não entendia mais nada.
Ao fechar a porta do quintal, olhou para cima e suspirou. Decidira faltar ao trabalho devido o mau tempo. Já não gostava mesmo dele, não faria diferença se ficasse ou fosse.
Lá na varanda escura luzia furiosa a brasinha do cigarro. D. Celsa servia um cafezinho. Mão trêmula, Afonso protestou:
- Que amigos eu tenho, sabem das coisas e não me contam.
Logo de manhã, ligara para cada amigo, como de costume, tentando saber quem iria à firma naquele dia. Para seu desgosto, ninguém. E pelo jeito, nenhuma alma na cidade resolvera sair de casa.
Não era feriado, nem final de semana, tampouco férias. Não entendia aquela solidão coletiva que deixava aquele cheiro de cinzas em todos os cantos por onde passava. Tudo parecia estar em estado de transe.
D. Celsa bateu a porta dos fundos, despedindo-se rispidamente, como quem se irrita por tudo. Afonso bufou e arrumou os óculos no lugar.
Ouvia de longe, meio que não ouvindo, a doce voz de sua mãe. Tudo clareou. A janela amarela, contrastava com a cor azul celeste da parede, deixando entrar uma leve brisa que lhe acariciava o jovem rosto.
- Querido, o café está na mesa, não vá se atrasar para a escola.
Levantou num pulo. Espreguiçou-se como um velho gato. Vestiu as chinelas e, arrastando o corpo, dirigiu-se para a cozinha, de onde nascia um forte e saltitante cheiro de doce de abóbora.


(Texto escrito em 16/09/08)