terça-feira, 25 de outubro de 2011

Previsão

Sonhava profundamente. Respiração leve, o ar entrava devagar pelos pulmões e saía como se o tempo não existisse.
As ruas estavam vazias, pacatas. O vento batia nas janelas das moradias de quando em quando, fazendo um barulho estridente. Afonso saíra de casa sozinho, as mãos geladas, os óculos escorregando pelo nariz. O céu estava cinza, e a cor se agarrou a seu rosto de modo que ao olhar de relance para o espelho, assustou-se. Seus joelhos bambeavam, já não entendia mais nada.
Ao fechar a porta do quintal, olhou para cima e suspirou. Decidira faltar ao trabalho devido o mau tempo. Já não gostava mesmo dele, não faria diferença se ficasse ou fosse.
Lá na varanda escura luzia furiosa a brasinha do cigarro. D. Celsa servia um cafezinho. Mão trêmula, Afonso protestou:
- Que amigos eu tenho, sabem das coisas e não me contam.
Logo de manhã, ligara para cada amigo, como de costume, tentando saber quem iria à firma naquele dia. Para seu desgosto, ninguém. E pelo jeito, nenhuma alma na cidade resolvera sair de casa.
Não era feriado, nem final de semana, tampouco férias. Não entendia aquela solidão coletiva que deixava aquele cheiro de cinzas em todos os cantos por onde passava. Tudo parecia estar em estado de transe.
D. Celsa bateu a porta dos fundos, despedindo-se rispidamente, como quem se irrita por tudo. Afonso bufou e arrumou os óculos no lugar.
Ouvia de longe, meio que não ouvindo, a doce voz de sua mãe. Tudo clareou. A janela amarela, contrastava com a cor azul celeste da parede, deixando entrar uma leve brisa que lhe acariciava o jovem rosto.
- Querido, o café está na mesa, não vá se atrasar para a escola.
Levantou num pulo. Espreguiçou-se como um velho gato. Vestiu as chinelas e, arrastando o corpo, dirigiu-se para a cozinha, de onde nascia um forte e saltitante cheiro de doce de abóbora.


(Texto escrito em 16/09/08)

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